Na aldeia de Paredes do Rio, concelho de Montalegre, onde uma associação promove desde há anos a cultura popular com recreações de matanças do porco, de malhadas e segadas, aulas de música e visitas guiadas aos moinhos e aos teares recuperados, o fumeiro ainda é feito artesanalmente. Maria Luísa recebeu-nos em sua casa e explicou porque faz tudo ainda como a avó ensinou: «A carne fica mais suculenta».
Nuno Ferreira para CaféPortugal
O lume está aceso na enorme e bem barrosã lareira da casa de Maria Luísa Pereira, em Paredes do Rio, Montalegre. Por cima, dependurados, há presuntos, chouriças, alheiras, chouriços de abóbora, num festim de fumeiro e ruralidade. «Tudo o que faço é natural e tudo à mão», explica Maria Luísa, que um dia ainda experimentou utilizar uma máquina de cortar carne: «Não gosto. Experimentei uma vez e não gostei. A carne fica pisada, moída, o sabor é logo diferente, parece que tira logo o gosto».
O fumeiro de Maria Luísa começa no tratamento que dá aos porcos: «Comem batatas, couves, beterraba, cascas de batata, milho e trigo, erva». Tudo dali, de Paredes do Rio. «Os porcos aqui são saudáveis. Nós criamo-los desde pequeninos aqui na aldeia e é tudo natural. Uma pessoa, mais tarde, ao abrir o porco vê logo porque a carne criada em casa é suculenta, não fica tão seca. Eu coloco a carne a cozer na panela e noto logo se a carne de porco veio de uma pocilga ou não».
Não é fácil de enganar? Maria Luísa sorri, um sorriso temperado ao frio e à simplicidade barrosã de Paredes do Rio: «Quer-se dizer, pode-se enganar uma pessoa que não entenda mas quem perceba do assunto não é fácil».
Actualmente, na pocilga, Maria Luísa mantém sete porcos que nasceram ali na aldeia. «A mãe fez duas criações. Se Deus quiser vão ser mortos cinco em Dezembro». Em Paredes do Rio, como nos tempos de puro comunitarismo, as pessoas ajudam-se umas às outras durante as matanças do porco: «Eu vou ajudar os outros e eles ajudam-me a mim. A matança aqui ainda é como um dia de festa». No dia seguinte há que desmanchar tudo. O período de oito dias que se segue à matança é de grande azáfama. «Cuida-se na mesma das terras e dos animais mas o resto do tempo é todo para fazer o fumeiro».
Maria faz as alheiras e as farinheiras primeiro para cozer logo as carnes num lume grande. A chouriça e o salpicão, esses, levam a melhor parte do porco. As chouriças são feitas com carne entremeada da pá, aparas da desmancha e músculos do pescoço, sal, pimento, vinho e alho. O salpicão leva carne do lombo, tripa do porco, sal, vinho, alho, pimento e doce. «Também faço os chouriços de abóbora. Tem de ser tudo cozido, as carnes cozidas, a abóbora, o arroz...também ponho uma tigelinha de farinha de milho e centeio para secar melhor e para o gosto ser mais suave quando se come», explica Maria Luísa.
Os chouriços de abóbora levam ainda sal, alho, vinho e pimentão, tudo na tripa grossa do porco. São cozidos e têm de se comer cozidos. «Nem toda a gente sabe. Já aconteceu umas pessoas de fora começarem a comer cru, coitados, não sabiam, ora a tripa está crua...»
Além do presunto, das farinheiras, chouriças, salpicão, alheiras e dos chouriços de abóbora, ainda faz a sangueira. «Na matança, ao despegar o intestino, vem o ‘redenho’», explica Maria Luísa. «O redenho é a gordura com febra do porco que vem do sub-ventre. Parte-se e tempera-se com sal, pimenta, alho e vinho».
E o presunto? «Ui, o presunto para ser bom dá muito trabalho. Levam dez a doze dias enterrados no sal. Têm de secar uns dois anos e quanto mais seco melhor. Seca primeiro ao fumo e ao ar e depois vai para a despensa com ar mas às escuras por causa dos insectos. Colocamos um pouco de pimento picante por causa dos insectos».
Maria Luísa Pereira aprendeu tudo com a avó e a mãe, ali em Paredes do Rio. Também elas faziam o fumeiro da forma mais tradicional. «Aqui na aldeia, a maioria das pessoas continua a fazer tudo de maneira artesanal, usando o funil e o velho fuso de fiar lã para encher as tripas. Eu sempre fiz assim e não mudo». maneira artesanal, usando o funil e o velho fuso de fiar lã para encher as tripas. Eu sempre fiz assim e não mudo».
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