Por Nuno Ferreira, para Café Portugal
Todas as semanas, de segunda a sexta-feira, a carrinha da Biblioteca Móvel de Proença-a-Nova, no distrito de Castelo Branco, atravessa uma rede de 30 aldeias para levar livros, jornais, revistas, dvd´s e internet a um universo esquecido e envelhecido. Muitos, analfabetos, usam as revistas como pretexto para conversar e quebrar a solidão. Outros, revelam-se leitores compulsivos, como o pastor que lia Kafka encostado a uma oliveira.
Há seis anos que Nuno Marçal, 38 anos, bibliotecário da Câmara Municipal de Proença-a-Nova percorre as aldeias desertificadas e de população envelhecida do concelho ao volante da Biblioteca Móvel do concelho. Em 2010, foi o candidato português da Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas (DGLB) ao Prémio Astrid Lindgren Memorial (ALMA), criado em 2002 pelo governo sueco em memória daquela escritora, e destinado a distinguir escritores, ilustradores e entidades de todo o mundo que promovam a literatura infantil.
Desde Março e correspondendo à evolução porque passam bibliotecas e bibliotecas móveis no país e no estrangeiro, além de livros, dvd's, revistas, jornais e internet, a Biblioteca-Móvel de Proença-a-Nova disponibiliza a entrega de requerimentos. «Este é o passo natural que as bibliotecas têm de dar e algumas estão a dar. As pessoas vêm aqui requerer bolsas de estudo ou uma licença para uma fossa ou algo relacionado com acção social e acabam a folhear uma revista ou um livro».
Desde que começou e expandiu o seu trabalho de visitante ambulante de livros e jornais que Nuno Marçal tem visto a população residente envelhecer. Essa mesma população, em redor de um livro, de um jornal ou da simples presença do bibliotecário, ganha uma alma nova. «Eu diria que 30 por cento do meu trabalho é o de bibliotecário e 70 é serviço social. São as tais aspirinas contra solidão e o envelhecimento. Não curam mas servem de paliativo. É muito importante estar no local, ouvir essas pessoas e fazer-lhes companhia».
Nuno perdeu no ano passado dois dos seus melhores leitores. «Morreram duas pessoas que consumiam muitos livros». Num dos casos, tratava-se de uma mulher que tendo vivido muito tempo fora e sofrendo problemas de enraizamento, se refugiava na leitura. «Lia tudo e compulsivamente».
O segundo caso era o de um homem que cursara Direito em Lisboa e por problemas diversos regressara às origens e pastoreava cabras. «Era um homem que seleccionava as suas leituras. Eu tenho uma foto dele a ler “O Processo” de Kafka junto a uma oliveira enquanto tomava conta dos animais».
Na zona, existem vários guardadores de cabras que gostam de passar o tempo com revistas e jornais fornecidos pela Biblioteca Móvel de Proença-a-Nova. Os homens que não sabem ler nem escrever pedem para folhear revistas de pesca e caça. «É um pretexto para estarmos à conversa sobre as suas pescarias e caçadas». As mulheres pedem revistas de bordados e culinária. As crianças que Nuno Marçal visita no jardim-de-infância local gostam de navegar na internet mas também procuram banda desenhada ou livros da colecção «Uma Aventura».
No top de autores de livros pedidos estão, entre portugueses, José Rodrigues dos Santos, Margarida Rebelo Pinto e clássicos como Almeida Garrett. Nos estrangeiros, figuram nomes como o brasileiro Paulo Coelho, Nora Roberts, Nicolas Sparks e Isabelle Allende. «Também há uma grande saída dos livros de agricultura e de culinária», explica Nuno Marçal.
Numa região cuja população está a envelhecer progressivamente, a presença da Biblioteca-Móvel pode ser um bálsamo. «Essencialmente, é importante estar, conversar e escutar. « Essencialmente, é importante estar, conversar, escutar. Em certos sítios tratam-me com muito carinho, como amigo, quase como se fosse da família», comenta o bibliotecário.
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