"Vou amar-te silenciosamente.
Vou amar-te no silêncio que vou procurar e que espero alcançar. Vou amar-te em silêncio como se, “o silêncio”, fosse um lugar, uma porção de espaço, um estado físico, ou não sei que conceito, que fosse alternativa de escolha para ir ou para estar, para isto ou para aquilo e, nomeadamente amar (te)
Vou amar-te silenciosamente como todos aqueles e aquelas que vivem deglutindo o amargor da desfeita. Aquele deglutir que num instante parece aliviar a garganta, para logo se deter no peito com a sensação de um nó. Esse engolir agoniante de angústia, que é tão sobejamente sabido por todos e todas, que já sentiram no mais íntimo do ser, essa alquimia doce-venenosa. Essa que nos confunde depois de se ter saboreado o elixir que nos transcende para o sonho ou para o “ideal”, sempre e enquanto acreditámos na reciprocidade perfeita, quase simetricamente perfeita do amor. Essa que decorre dos desamores, dos amores abortados, dos amores impossíveis, dos não correspondidos, dos proibidos, dos traídos, dos sem existência, dos silenciados por pudor, por vergonha, por receio de juízos... Todos eles têm um “lugar reservado” para além da garganta e do peito. Como se fosse um claustro intemporal, algures num espaço recatado, aqui, ali, além, perto de nós, sempre e em qualquer parte. Esse lugar é o “silêncio”. É lá, e é assim, que eu vou amar-te. Alinhando estes puzzles de palavras, como quem pinta aguarelas, ainda que eu não saiba, se quem pinta aguarelas, escolhe as cores como quem escreve, escolhe as palavras… Escrevendo recortes, cartas e poemas, que releio e declamo sem ninguém me ouvir. Deles, tenho apenas o eco surdo do latejar das veias, compassado pelo bater do coração.
Na sua essência o silêncio não ocupa espaço, nem tem volume; porém existe. Existe, e não só. É imenso, é desmedido! Não tem cheiro, mas tem cor. Não tem forma, porém manifesta-se. Não se vê, mas sente-se. Não prende mas oprime. Não tem matéria mas pesa. E quanto pesa o silêncio! Sobretudo quando a sua razão de ser é o segredo! Esse, por momentos, é tão suave, tão doce…
Por vezes, sorrio ao despertar. Algumas vezes, sorrio interiormente, saboreando o doce fel do segredo... Ao mesmo tempo, o silêncio em que o segredo vai morrer para melhor o viver, é tão pesado, tão cru, tão insuportável, tão abstracto e absurdo este silêncio. Esse em que quero amar-te deste amor que, por não ter cabimento na minha vida, tem um lugar reservado não só no silêncio, mas também no meu coração. Até que dele reste, só a alma e o seu insondável mistério."
Texto de H.
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