Há uns anos ninguém lhe sabia o nome. Mas já se torna claro que é o maior escritor de canções português da sua geração. Desde João Peste ou António Variações que não havia esta vibração e frescura que só quem canta com a verdade na voz consegue comunicar. O seu poder resulta, acima de tudo, de uma leitura de crítica e lucidez de ímpeto inquebrantável. Bernardo Fachada diz-nos que “há o cuidado de não substituir uma convenção por outra. Destruir sem fazer, sem ser moralista”. Aprendeu-o com a arte pop. “Basta documentar as convenções que elas fazem o trabalho por si (…), como se fosse um mundo sem cura”.
Esta visão incisiva das coisas só é possível aos intertextuais, e o percurso de aprendizagem do Bernardo é de facto raro e precoce. Cresceu com a música que o pai trazia para casa. Lembra 1985 como o ano em que lhe chegaram montanhas de discos vindos do Brasil, e que com eles trouxeram a educação musical da sua infância. Aos 4-5 anos tinha como dieta auditiva Toquinho, Paralamas do Sucesso, Tom Waits, Leo Jaime, Gentle Giant, Nina Simone ou os Specials, o que teria de dar mossa benigna. Após esse processo, foi com os CDs de Cohen, Dylan, ‘Graceland’ de Simon e os Talking Heads que foi levado até à pós-puberdade, época em que, com ‘Os Entre e os Contraentes’ de Alberto Pimenta, mais tarde o professor mais marcante que teve, começou, como diz, “a ler a sério”.
Esta educação rodeada pelas artes foi acompanhada por um percurso de estudo de 12 anos em formação musical e vários instrumentos, que arranca no violino, passa para o piano, acabando no final da sua adolescência no Hot Clube. Diz: “comecei a fazer objectos com forma de músicas”, “piadas privadas de grupo que começaram a ficar universais”, gradualmente, algum tempo após ter começado a estudar e tocar bossa nova. Mas a revelação de que ia ser músico, que “não é profissão de sonho, mas sim a que [lhe] calhou”, só acontece quando “encontra o som”, o seu – o único que importa, claro. Conseguiu,
inesperadamente, aglutinar “o destino e feitio, questões emocionais e sociais, que coincidiram todas numa só actividade”.
Comparando com a música portuguesa com que cresceu, de Zeca Afonso, aos Mler Ife Dada até aos Pop Dell’ Arte, tem noção que atravessou uma época em que houve uma quebra grande na pertinência da produção nacional, sendo que também “não tinha havido nada de especial antes”. Pensa “muito sobre limites”, questionando-se da existência de uma praga, que convenhamos é secular e nacional, do porquê de haver “culturas que parecem produzir gajos que encaramos como sendo de um nível inacessível”. A persistência em perseguir por um lugar no nosso quintal nunca foi um objectivo, e a conclusão que tiramos é que só lhe terá dado mais fome de existir.
A obra de B Fachada vive destas leituras e de uma crítica, que faltava à canção nacional, que permanece uma das formas mais vitais, naturais e poderosas de comunicação. Que quase tenhamos esquecido esta função da música em Portugal é só mais uma razão para a pertinência do seu trabalho. As suas letras, claro, brilhantes, relatam de forma humana e contemporânea, o que é viver na Lisboa e no Portugal de hoje, com seriedade e com coração. Afinal, B Fachada mede “as consequências” da sua música “a nível e impacto pessoal. Tenho feito os possíveis por fazer coisas que me façam comover”.
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