Um livro e uma exposição revelam o olhar do repórter António Pedro Ferreira sobre Fátima, “um espaço difícil de fotografar”. São quase 40 anos de viagens, que começaram em 1979, quando Portugal era “um país mais fotogénico”.
Luís Carvalho já tinha carta de condução e garantiu a viagem num Citroën Dyane. António Pedro Ferreira tinha uma mãe que preparava bons farnéis, com sandes de queijo, ovo e frango embrulhadas em folha de prata. E etiquetas que ajudaram a racionar a comida para uma estadia de dois dias. Corria 1979, dois amigos, urbanos e unidos pela fotografia, meteram-se à estrada rumo a Fátima motivados pela curiosidade de um lugar onde desfilava “um mundo rural” que nenhum deles conhecia bem. Dessa primeira “viagem fotográfica” ao santuário (e ao que o rodeava), António Pedro Ferreira, repórter do semanário Expresso, escolheu treze fotografias para o livro Fátima – 1979-2016, que acaba de ser publicado e que reúne o essencial do seu trabalho sobre um lugar a que foi regressando. É o ano com melhor rácio de imagens na obra entre todos os que visitou Fátima, facto que o fotógrafo explica com a (sua) sensação de que o país seria “mais fotogénico naquela altura”. É uma justificação humilde e que pode esconder outra, igualmente subjectiva: a de que estamos perante uma das melhores abordagens fotográficas que se fizeram em Portugal às romarias marianas e à mística em torno da crença nas aparições.
As primeiras fotografias do livro de António Pedro Ferreira estão mais centradas no frenesi que envolve o santuário, têm pouco da religiosidade directamente ligada a Fátima e estão mais próximas da dinâmica dos devotos, de algum humor (pouco), da circunspecção e da reserva tristonha que lhe vem estampada nos rostos, uma expressão que surge como imagem de marca de um tempo. “Fátima já está muito longe deste mundo. Hoje é quase impossível captar um peregrino sem um colete reflector e uns sapatos de ténis. O país mudou muito. Basta olhar para o vestuário, para os rostos… os jovens já são todos urbanos, mesmo quando vêm de uma ruralidade profunda. Acho que este livro também é uma demonstração de como Portugal mudou em 40 anos.”
Para este livro, António Pedro Ferreira foi obrigado a remexer nos arquivos, exercício que não lhe agrada particularmente. “Não gosto de voltar sempre às mesmas coisas, é penoso. Há fotografias minhas que já não sei se são boas ou se sou eu que gosto delas. É muito difícil manter uma distância crítica em relação ao nosso trabalho.” Mas teve surpresas, descobriu imagens novas e imprimiu outras pela primeira vez. Contas feitas, “cerca de 90% das fotografias do livro” nunca tinham sido mostradas. E descobrir novas fotografias de Fátima não é tão fácil quanto possa parecer. “É um espaço difícil de fotografar. Tem menos de um quilómetro quadrado, mas o que lá acontece é tão variado, tão rico em termos de sentimentos que… lembro-me de chorar lá, é muito intenso. E isto para um não-crente, como eu, não deixa de ser extraordinário.”
Para além deste livro, as fotografias de António Pedro Ferreira sobre Fátima estiveram numa exposição n’A Pequena Galeria, em Lisboa. https://www.publico.pt/
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