Portugal, setembro de 1974.
A decorrerem ainda os tempos conturbados do Processo Revolucionário em Curso (PREC).
Em Gralhas - Montalegre sobrevivia-se; como até ali. A lavoura era a única forma de manter famílias mais ou menos numerosas. Procurava-se trabalho e encontrava-se, para poucos, emprego mal remunerado. Apenas com a instrução primária, o desejo era mesmo trabalho, muito, para construir a casa com o conforto desconhecido.
A solução era a França.
Tomada a decisão pede-se ajuda. Encontrada a ajuda, pede-se trabalho. Havendo trabalho quere-se a “casinha”, pequena para dormir, suficiente para se ir andando. Não esqueçamos que os objetivos pautavam-se por um dia voltar com um pequeno “pé de meia” para a tal casa de pedra com que se sonhava.
Eis que surge o paraíso: uma “loja de concierge”… Tem tudo: dá para comer, dormir e ainda dá para ganhar dinheiro. Pagava-se para ter uma loja de “concierge”…
Em 1976 os meus pais vão morar para o 28 Rue Eugène Carrière em Paris 18. Mas para ser pequena esta era mínima. Impensável para os padrões de conforto do filho dos meus pais, que eles ajudaram a definir… ou definiram mesmo.
Anos mais tarde, na mesma rua mas no número 28, têm a sorte irem morar para uma “lojinha” maior. Se a anterior tinha 15 metros quadrados, esta teria 16. Não devo estar muito longe da realidade.
Mais tarde ainda surge a oportunidade – paga – de irem morar para Paris 4, Saint Michel, Ile de la Cité. Uma loja bastante maior mas ainda sem casa de banho. WC na “cour”. Espetáculo: esta tinha quase o dobro do tamanho das anteriores. Habilidoso que é, o meu pai construiu uma Mezzanine que passou a ser o quarto deles. Construiu também uma casa de banho e, pela primeira vez em quase uma dúzia de anos, têm um duche para tomarem banho.
A partir daqui tudo mudou. Viveram-se momentos fantásticos; outros nem tanto. Mas viveu-se. Tinha-se ultrapassado o patamar da sobrevivência e isso era bom. Construíram-se grandes e improváveis relações de amizade, trabalhou-se, ganhou-se algum conforto “na terrinha”, grande objetivo e, a única coisa, até se conseguiu que o filho – quem vos está a escrever estas letras – conseguisse aprender a escrever estas mesmas letras; e isso era a única coisa.
História igual à de milhares de Portuguese que emigraram para França para conseguirem uma melhor vida. É a história também dos meus pais da qual, mais ou menos presente, faço parte. Só que esta história acabou dia 31 de Março 2017. Ao fim de 41 anos a minha mãe deixa de ser “concierge”.
Reformada, volta definitivamente para Portugal. Vem carregada. Carregada de agradecimentos, de carinho, de beijos, de histórias, de “souvenirs”,… cheia. Sempre pela sua maneira de ser e de trabalhar.
Dou comigo, em introspeção, a analisar a minha forma de viver com o facto de os maus pais terem vivido numa “praça de concierge”: se numa primeira fase, até aos 12 - 13 anos, não tinha qualquer ideia acerca disso, a partir dos 14 ou 15 sentia como que alguma vergonha estúpida por não viverem num apartamento nos arredores. Evitava dizer às amigas onde morava nas férias. Teria preferido mentir até.
Hoje nutro uma profunda admiração e respeito, pelo espírito de sacrifício também mas, acima de tudo, pela decência e elevação com que desempenharam uma função muitas vezes subvalorizada.
Obrigado.
José Fernando Moura
«Aux premières loges» Photos de Arnaud Lauqué, journaliste et photographe
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