"Este ano não está a começar bem. Ou então estará a começar bem noutro lado qualquer, a acreditar que existe outro lado qualquer, cada vez mais cheio de gente boa.
A Luísa Cortesão morreu esta quarta-feira, 27 de Janeiro, aos 65 anos. Foi durante a tarde, tranquilamente. Estava doente e, pior, estava cansada disso. Assim, doente, não conseguia desenhar ou fotografar.
Escrevo velha no título porque era assim que a Luísa se via. Não gostava quando lhe diziam que tinha espírito jovem. Irritava-se, reclamava. Ela era velha, pronto, porque os velhos têm sabedoria e experiência.
A Luísa sempre teve jeito para as artes. Quer fosse na fotografia (que alimentava regularmente em várias plataformas como o Flickr ou o Instagram – já antes o fazia no velhinho fotolog), quer fosse na construção de casas de bonecas, passando pela sua mais recente paixão: o graffiti. Luísa dizia ser uma bruxa boa e foi a desenhar essas senhoras marrecas e de vassoura em punho que se fez notar nas ruas. A elas juntou fadas, estátuas e animais da mitologia grega, borboletas e cravos do 25 de Abril, sempre usando a técnica de stencil. Pode ver tudo nesta página de facebook.
Em 2012, a Luísa inscreveu-se num workshop do Lata 65, a iniciativa de Lara Seixo Rodrigues que ensina os velhotes a fazerem desenhos nas paredes com latas de tinta. Foi lá que a Luísa pegou no x-acto e cortou a silhueta de uma bruxa com uma lata de spray na mão - mal sabia que o desenho se tornaria na imagem do próprio Lata 65."
As bruxas são as sua imagem de marca
"Conheci a Luísa no dia 14 de Novembro de 2012 e se consigo assinalar na exactidão o dito, é porque este dia, o do 1.º workshop do LATA 65, iria mudar em muito a minha vida. Recordo-me da estupefacção com que eu e o Adrião olhámos para o stencil que a Luísa nos trouxe no último dia do workshop e que se viria a tornar no logótipo do projecto. Posso afirmar que instantaneamente, a Luísa se converteu, com a sua sempre presente modéstia, o nosso maior exemplo, a nossa embaixadora, a nossa maior inspiração", diz Lara Seixo Rodrigues.
A crise financeira grega
A partir daí começou a grafitar com mais regularidade, sozinha ou acompanhada pelos amigos, pelas netas ou pelo marido, o crítico de arte Alexandre Pomar, filho de Júlio Pomar. A endocrinologia, profissão que sempre exerceu, já estava definitivamente posta de lado.
"Eram assim as manhãs e as tardes com a Luísa: muito desenho, muito corte, muita tinta, muita conversa, muita teimosia, muitos sorrisos. E a sua sempre presente modéstia, com que lutávamos (muitas vezes em vão!), porque para nós ela era O exemplo de artista, de envelhecimento, de curiosidade, de persistência, de honestidade, de sabedoria, de partilha e de tantas outras coisas, que tinha de ser espalhado aos 4 ventos", revela Lara.
Martha Cooper, a mais antiga fotojornalista a documentar a história do graffiti, quis conhecer a Luísa quando veio a Portugal expor as suas imagens na Galeria Underdogs. Nunca tinha conhecido uma graffiter que tivesse começado tão tarde.
Um stencil sobre o casamento homossexual
Em 2013, fiz parte da equipa fundadora da Pequena Galeria, com o Alexandre Pomar, e a Luísa lá estava em todas as inaugurações que fazíamos.
De mochila às costas, e máquina Lumix na mão, dizia disparates, metia-se com as pessoas e tratava os miúdos nos trintas, como eu, por filhos.
Conheço a Luísa há 13 anos, quase 14. Eu estava na faculdade e passava algumas manhãs na sua casa a tomar-lhe conta das duas netas. Aquilo não era trabalho, nunca foi, e não eram raras as vezes que, baixinho, a Luísa me agradecia por tomar conta das miúdas com tanto amor.
No ano passado, a neta mais velha contou-me que a avó tinha estado a grafitar numa zona muito movimentada e que quando lhe chamou a atenção de que poderiam fazer queixa ela terá respondido: "A polícia não vai acreditar que uma velha está a fazer graffitis!". Mas estava.
Duas bruxas de lata na mão e uma fada
Artigo de Ágata Xavier para http://www.sabado.pt/
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