Uma voz feminina de entre as mulheres de negro vestidas, sentadas à porta da casa de pedra
para ver gente de fora passar, ecoou: «precisávamos era de gente para cavar batata...»
Por Otilia Leitao para Café PORTUGAL
"De tanto olhar o sol" foto de Carlos Pedro
Senti um arrepio e percebi-lhe o tom. Filha de agricultores, embora de zonas mais temperadas, aprendi o que é a dureza da terra, das tempestades que estragam as colheitas, das mãos calejadas da enxada, da pele crespa do frio ou do sol, de ter-se muito ou viver-se com pouco... ao sabor do tempo - Bento Gonçalves o primeiro Secretário-Geral do Partido Comunista, natural da aldeia ali ao lado, Fiães do Rio, tê-lo-á sabido também da dureza desses tempos!
«Somos jornalistas, estamos a visitar o concelho de Montalegre para conhecer melhor!» Expliquei-lhes, enquanto me vinha à memória o contraste com o conforto em viajar no «Alfa» de Lisboa para o Porto, do almoço Douro acima, do agradável hotel «Quality Inn» onde nos hospedámos, das fartas iguarias da gastronomia barrosã que saboreámos.
Sugeri-lhes um pedido à Câmara e «talvez houvesse voluntários que prestassem alguma ajuda...», convicta de que, apesar de uma certa aridez de valores em que vivemos, há ainda gente que ama a terra e tem espírito solidário.
Estávamos na aldeia de Paredes do Rio onde mulheres idosas tentam manter viva a tradição da tecelagem, da feitura das capas de burel, das meias de lã... São mulheres das terras do Barroso, que vêem agora aquilo que era o local encontro da comunidade – o forno de pão ou o palácio do boi – resíduos de uma vivência e de uma cultura, transformada em ECO MUSEU, disponível à observação dos outros.
Maria, 71 anos, contava-me que era mãe solteira Tinha 30 anos quando o pai do seu filho morreu. Depois, nunca mais quis homem... era assim na aldeia... quando uma mulher infringia os cânones tradicionais com uma maternidade fora do casamento. O filho está no Brasil, fica a solidão das pedras ou a aparente felicidade de um espaço preenchido de lembranças. Os mais novos já não querem a terra, foram estudar ou trabalhar para zonas de maior comércio de quem não conhece outros mundos.
Aquelas imagens de mulheres de lenços negros a tapar a cabeça repetiam-se em Pitões de Júnias, a caminho da missa, como sombras de um passado que já ninguém quer abraçar.
Montalegre está a desenvolver-se e as casas de pedra, (umas fechadas porque os seus donos estão fora, emigrados, outras degradadas e poucas recuperadas) são , agora redescobertas para novas dinâmicas: o turismo de habitação, ou a readaptação dos atributos da terra, dos seus costumes e artefactos – veja-se a Casa dos Braganças - para outras pessoas usufruírem, de forma confortável, as atracções turísticas de um concelho dotado de uma paisagem fabulosa, onde se combinam as serras, de vegetação simples e floridas, com o azul cristalino da água das barragens.
As célebres vacas barrosãs de cornos em lira ainda se vêem pastando pela serra e as «chegas» de bois, onde dois machos se desafiam - tradição antiga de dias festivos - já deu lugar a estátua na sede do concelho.
Na raia de Espanha, orgulhosa de tradições firmes e gentes que «bebem» da força do granito natural, Montalegre terá de continuar a «queimar as bruxas» - como o fez o conhecido padre Fontes, na tradicional bebida preparada em caldeirão, durante o jantar em Mourilhe - para não ficar esquecido.
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