"...sentes" foto de Carla Salgueiro
"Saber-te longe de mim, não é a mesma coisa que viver sem ti. Tento antecipar a tragédia, preparar-me para a eventual possibilidade, encontrar noutros rostos e noutros corpos o que encontro no teu, essa plenitude estranha, esse encaixe perfeito de puzzle.
Tento dizer-me que numa cidade cheia de gente há-de haver outro que preencha esse lugar tão bem como tu. Mas só me vem a ideia o teu rosto, uma voz que beija. Um toque de dedos capaz de desenhar sentimentos.
Tenho medo que a razão seja a minha perca, perdendo-te perco-me e que ao contrario dos loucos me perca pela razão e não pela paixão.
Tenho medo deste medo, que me tolhe o raciocínio.
Já não me consola a aparência de vida perfeita, o papel que tão bem representava, agora esqueço-me dos textos, esqueço-me das horas, já não consigo, como no tempo em que me dizia: isto passa, é apenas uma ferida, dói, infecta, seca e passa, mais um verão e nem a cicatriz se vê.
Ao contrário das feridas chegaste como bálsamo, já não me lembro de nenhuma. E sei que pode passar um verão, um inverno, que pode passar a vida, que tudo passa, mas sei de antemão que és uma fórmula química, e mesmo eu que pouco percebo de química sei que te transformas, mas que ficas.
Ando a falar sozinha, para dentro, num silencio cheio de palavras, digo-me que só é assim porque é proibido, que mais dia, menos dia esqueces-me, já nem me da para pensar que te esqueço, porque quanto mais penso em esquecer-te mais tu me vens à ideia.
Outras mãos, não acendem constelações no meu corpo, como as tuas, outras mãos sobrevoam a pele sobrevoam a alma.
Nunca tive coração, só o encontro quando te encontro e os meus dedos se entrelaçam nos teus e o meu olhar se afoga no teu... e como um mecanismo perfeito o meu coração volta a bater."
Cristina Branco
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