Tem 27 anos e é licenciada em Jornalismo pela Escola de Jornalismo e Comunicação, na Universidade de Tsinghua. Participou no programa DocNomads, um mestrado que envolve a Universidade Lusófona de Lisboa, a Universidade de Teatro e Artes do Cinema, em Budapeste, e a Escola de Artes LUCA, em Bruxelas.
Trabalhou também como investigadora assistente na área de Antropologia, na China e no Tibete, para realização de documentários sobre o tema.
Quantas histórias fascinantes desaparecem com as pessoas, sem nunca terem sido ouvidas? Histórias sobre gentes, lugares e mitos — como lobisomens. A documentarista chinesa Agnes Meng quis descobri-las. Aventurou-se pelo Portugal escondido e encontrou, no cume de uma das montanhas do Norte, uma aldeia chamada Pitões das Júnias que reunia uma vasta colecção de contos. Ouviu-os e documentou-os. Daí nasceu Histórias de Lobos.
A curta-metragem de cerca de 20 minutos retrata, mais do que histórias de lobos, as “histórias das pessoas”. “Para mim, o documentário é também sobre como lidamos com a natureza e retrata um estilo de vida muito distante do que vivemos agora, que está a desaparecer”, conta Agnes, em chamada telefónica com o P3. Testemunhos de mortes e assassinatos, lutas entre humanos e lobos, contados por seis vozes que querem ser ouvidas. Mas o que leva uma chinesa a querer documentar o folclore português?
“Eu queria mesmo fazer um filme em Portugal”, afirma a realizadora de 27 anos. Já cá tinha estado em 2015 para o primeiro semestre do DocNomads — um mestrado em documentário que junta universidades de Lisboa, Budapeste (Hungria) e Bruxelas (Bélgica) — e Portugal ficou-lhe na cabeça: “Achei muito exótico e diferente da China”, refere. Por isso, quando teve que escolher um dos três países para fazer o projecto final, não teve dúvidas. Voltou a Portugal em 2017 para as primeiras filmagens do documentário, que viria a ser concluído em Março de 2018, já fora do curso e com a produção da companhia Filmes do Gajo .
Atraída pelas “montanhas, floresta, campo e vida nas aldeias”, Agnes pediu ajuda a amigos para encontrar um tema para um filme que se relacionasse com estes ambientes. Nada sabia sobre lobisomens, até que José Fernandes, assistente de realização do filme, lhe deu a conhecer alguns mitos, através de notícias e do livro Malditos - Histórias de Homens e de Lobos, de Ricardo J. Rodrigues , que continha relatos na primeira pessoa, nomes e locais.
Foi no Gerês que procuraram (e encontraram) essas histórias. Lá, Agnes deparou-se com um cenário “selvagem” que a cativou. Concluiu que “os habitantes das aldeias do Norte são muito abertos e amigáveis”: bastou perguntar “esta pessoa ainda vive aqui?” a quem iam encontrando para descobrirem os protagonistas das histórias narradas no livro. A partir daqui, só teve — com a ajuda das traduções de José — que escutar tudo o que lhe contaram sobre as criaturas que, diziam-lhe, eram parecidas com cavalos, levavam crianças e mordiam o pescoço para chupar o sangue.
“A senhora mais velha, que aparece no início do filme, falou comigo durante uma hora ou uma hora e meia. Quando nos estávamos a despedir, ela agradeceu-me por tê-la ouvido. E isso tocou-me porque obviamente ela não falava disto há muito tempo e ninguém queria saber”, conta Agnes. Outra das participantes foi encontrada por acaso: “Estávamos a andar pela aldeia e eu vi uma senhora sentada. Ela estava tão linda que eu pedi ao meu amigo José para lhe perguntar se ela tinha alguma coisa a dizer sobre lobos. E ela simplesmente começou a falar.” Foi assim que Agnes escutou a história de alguém que, ao ser alegadamente perseguido por um lobisomem, pegou fogo a um pedaço de camisa que rasgou, assustando, assim, a criatura. É que os lobisomens intimidavam muitos, mas não eram invencíveis — há, no filme, quem conte como matou um à paulada.
Agnes tem uma certeza: “Quando as pessoas morrem, os mitos morrem com elas.” Por isso, usa os filmes como uma arma para aprender e fazer ouvir. “Quando peço às pessoas para me contarem histórias, sinto que se não lhes perguntar, elas nunca vão dizer nada. E eu não consigo imaginar quantas histórias estão a desaparecer com as pessoas”, continua.
21 de Janeiro de 2019, publico.pt
Commentaires