Passage clandestin d’immigrés portugais à travers les Pyrénées, mars 1965 © Gerald Bloncourt / Musée national de l’histoire et des cultures de l’immigration, CNHI
Entre frio e fome, em outubro de 1964, foram precisos "23 dias a pé" entre a aldeia de Louriçal do Campo, Freguesia do Concelho de Castelo Branco, e a cidade francesa de Lyon, para que Manuel Dias Vaz escapasse à ditadura.
O português pagou "14 contos" - o valor de "uma junta de vacas" - pela viagem que negociou da forma mais secreta possível porque "nas aldeias as denúncias eram constantes, inclusive no seio das famílias".
"A minha avó, a mãe do meu pai, se ela soubesse que eu estava a projetar vir a salto, era capaz de me denunciar porque, para ela, eu devia ser um dos soldados que ia defender a pátria. Para ela, o facto de eu não ir para a guerra era uma maneira de trair os valores da nação", contou à Lusa o presidente da Rede da Aquitânia para a História e Memória da Imigração.
Antes de chegar a França, o português deixou a aldeia natal de táxi, à noite, até à aldeia de Aranhas, no concelho de Penamacor, a partir de onde caminhou quatro dias até perto da Cidade Rodrigo, na província espanhola de Salamanca, onde passou mais dois dias "à espera de uma camioneta de gado" que o levou até Vitória, no País Basco, tendo depois gasto "oito, nove dias" para atravessar as montanhas, a pé, num "inverno terrível", com "30 centímetros de neve nos Pirinéus".
"Era o medo, o frio e ao mesmo tempo, digamos, a fome. Os passadores davam à gente um bocadinho de chocolate, um bocadinho de pão e a gente bebia água nos rios. Nós passámos dois ou três dias na montanha numa corte abandonada, tivemos que queimar as tábuas que estavam lá para pôr a palha porque havia um frio terrível", lembrou, acrescentando que o "momento de felicidade" foi, num outro dia, quando viu um rebanho de ovelhas que permitiu ao grupo beber leite e aconchegar-se no calor dos animais.
Como Manuel Dias Vaz, foram milhares os portugueses que, entre finais dos anos 50 e início dos anos 70, passaram "a salto" as fronteiras para chegar a França, recorrendo a passadores para os guiarem, a depositários para guardarem o dinheiro da viagem, a transportadores e a angariadores de pessoas desejosas de emigrar, "uma rede enorme", nas palavras de Marta Silva, investigadora no Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa.
"Os passadores que faziam este tipo de passagem viam - ou grande parte deles via - esta atividade como negócio. Por outro lado, havia aqueles que faziam engajamento, ou seja, angariamento e passagem de emigrantes de forma mais pontual. Faziam este tipo de atividade de forma a eles próprios melhorarem um pouco a própria vida, uma vez que era um tipo de serviço pago. Vendo isto desta perspetiva é um pouco redutor dizermos que todos os passadores eram uns sacanas", explicou a investigadora à Lusa.
Marta Silva sublinhou que a atividade dos "intermediários" da emigração clandestina se inseriu em "estratégias de sobrevivência de uma população que vivia com muitas carências no mundo rural", tendo alguns deles acabado por emigrar e permitindo a algumas mulheres sairem "do ambiente doméstico" quer "para angariar pessoas ou para levantar o dinheiro dos serviços que eram pagos".
A investigadora lembrou que "havia várias formas de fazer o pagamento", sendo a mais conhecida a "fotografia rasgada" em que uma parte do dinheiro era entregue no início da viagem e a outra parte quando o emigrante enviasse uma carta a dizer que chegou a França, inserindo uma metade de uma fotografia no envelope para que a pessoa que ia pagar a colasse com a outra metade que tinha guardado.
Esta forma de transação acabava por "conferir um grande poder ao emigrante sobre a própria viagem um pouco incerta" e era uma "forma de garantia até porque havia uma possibilidade grande de ele ser intercetado no caminho pelas autoridades, ser preso e voltar para trás".
Para Rosa Arburua Goienetxe, investigadora na Universidade do País Basco, os passadores "não eram nem heróis nem vigaristas", havendo "redes organizadas de bascos que iam até Portugal de carro e em camiões buscar portugueses que queriam ir para França".
"Houve heróis porque houve populações bascas que ajudaram, mas também houve vigaristas. Por exemplo, como os portugueses sabiam que era preciso atravessar uma ponte e que depois era a França, muitos passadores diziam que bastava passar a ponte e tinham chegado. Só que às vezes estavam noutra ponte e não na ponte de Hendaia", explicou a historiadora que escreveu um livro sobre a passagem clandestina dos portugueses no País Basco. http://www.diariodigitalcastelobranco.pt/
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