Pediram-me para falar do Buçaco, mas o Buçaco não se conta, vive-se.
Até aos 10 anos fui passar as férias grandes, Julho, Agosto e Setembro (nesta altura a escola começava a 7 de Outubro). No Buçaco o meu tio Francisco (o Sr. Sargento) era o guarda do Museu Militar e posso dizer que nesses 3 meses estávamos no paraíso.
Não havia muita gente a morar no Buçaco, só meia dúzia de famílias, uma dessas famílias tinha o único comércio existente, pensão, mercearia, talho, café e telefone (só havia 2 telefones, o da pensão e o de um médico reformado), esta família tinha 4 filhos e 2 eram das nossas idades.
A mata do Buçaco não tinha segredos para nós, eu, Zé, Ana, Teresa e Manuela ( o Paulo como só nasceu em 1963, não participou em grandes peripécias). Todos os dias eram passados a brincar na mata, Portas da Rainha, Portas de Coimbra, a fonte onde a Manuela (por ser a mais velha) ia todos os dias buscar um cântaro de água para bebermos, a de casa não era boa, o lago onde a ti Maria dos tremoços, fazia adoçar as sacas com os ditos tremoços para depois vender, os jardins do Palace Hotel e a fonte Fria, onde tantas vezes subimos e descemos aquelas escadas.
Perto do Palace Hotel começa a Via Sacra, conjunto de capelas da autoria do escultor Costa Motta, que relatam a vida de Cristo desde a prisão à crucificação, a Via Sacra termina na Cruz Alta, devem ser uns 2 ou 3 Kms a subir, mas para nós não havia algum problema, quantas vezes por ali andámos..... As figuras são em barro e nas primeiras capelas estão pintadas, mas são poucas, a maioria não chegou a ser pintada. Hoje numa grande parte destas capelas as figuras estão partidas, alguns vândalos acharam bem destrui-las à pedrada.
Embora grande parte das férias fossem passadas na mata, algumas vezes também íamos a pé pela mata até ao Luso (3 Km) para irmos à piscina, para baixo ia-se bem, mas ao fim de uma tarde a brincar na água, fazer os 3 Km a subir, era um pouco complicado e muitas vezes ouvimos o velho ditado "para onde vais? vou para a festa..."
Como todos sabem, Portugal foi invadido pela França por 3 vezes. As tropas de Napoleão chefiadas pelo marechal Massena, travaram uma grande batalha no Buçaco em 1810 (por isso existe o museu militar). Esta batalha ainda hoje é comemorada a 27 de Setembro.
Quando era miúda, a comemoração da batalha era um grande acontecimento nas nossas férias. Nos princípios de Setembro começavam-se os preparativos, soldados e civis iam de Lisboa para decorar o recinto da batalha e o largo em frente ao museu, durante esse mês havia muita gente e passávamos bons momentos a "ajudar" nos preparativos.
No dia da festa havia sempre uma procissão os andores eram decorados com flores e era a minha mãe e a minha tia que estavam encarregues desse serviço, com a nossa "ajuda". A procissão saía da capela (ao lado do museu há uma capela) e ia até ao Monumento (Obelisco) e um ano, nós (os miúdos) fomos parte activa da procissão, o Zé ia vestido de St. António, a Ana de menino Jesus, eu ia de anjo, a Teresa vestida de Maria Madalena e a Manuela devia ser de N. Senhora, já não me lembro.
Mas, como diz o ditado, "tudo que é bom acaba depressa", um ano tudo acabou, o tio Francisco reformou-se e veio morar para Moscavide, eu tinha 10 anos, quando nos disseram que era a última vez que passávamos as férias no Buçaco, foi como se o céu nos caísse em cima, para nós era o fim do mundo, nem sequer conseguíamos compreender porque razão o tio Francisco tinha que se reformar.
Já voltei várias vezes ao Buçaco (mas não em férias, só de passeio), quis mostrar aos meus filhos o lugar onde tinha tido uma infância maravilhosa e embora já nada seja como antigamente (as coisas mudaram e eu já não tenho 10 anos) continuo a achar que o Buçaco é o meu paraíso, a minha terra do coração.
É este o meu Buçaco e muito mais haveria para contar, as nossas peripécias não têm fim e a beleza da mata é indescritível. Espero ter-vos dado vontade de visitar o Buçaco , mais que não seja para verificarem se é mesmo tão bonito como eu digo.
Belas fotos de uma infância feliz e livre.
Rédigé par : Lena | 18/10/2016 à 12:55