O Pátio do Carrasco - mais do a que a simples morada de Luís Alves «o Negro», guarda nas pedras a memória da antiga fidalguia de Lisboa.
«O Pátio do Carrasco situa-se no Largo do Limoeiro, junto da Rua do Limoeiro, na antiga freguesia de Santiago, actual freguesia de Santa Maria Maior.
Consta que este pátio pertencia às cavalariças do antigo Palácio do Conde de Andeiro.
Diz-nos Norberto Araújo nas suas Peregrinações em Lisboa que; "é uma das curiosidades cenográficas do sítio, e vem de longa data. Na fachada do pátio, que olha para a rua, notam-se três janelas do século XVI, de vêrga direita canelada, e distinguem-se nas ombreiras vestígios do mainel que as bipartia ao alto". São estes os mais antigos elementos do pitoresco recinto muito pequeno chamado de Largo do Limoeiro, um pouco degradado.
Conta-nos ainda o mestre Luís Pastor de Macedo que em 1686 o Pátio se chamava de: "Pátio de Fronte do Limoeiro", em 1682 o "Pátio do Terreiro do Limoeiro", e em 1630 o "Pátio do Limoeiro" que supomos ser, como os anteriormente citados, o mesmo "Pátio do Carrasco". E acrescenta: "o nome do pátio indica-nos que seria ali a morada dos carrascos em casa paga pelo rei, ou revela somente a estada temporária de qualquer daqueles executores da justiça".
Sabe-se que neste pátio provavelmente residiu o último Carrasco português. De nome completo Luís António Alves dos Santos (1806-1873), era também conhecido por "Luiz Negro", por usar no exercício da sua profissão o seu "Gabão" preto (GABÃO - s.m., do Persa "Kába", manto, capote com capuz, mangas e cabeção).
Possivelmente o último carrasco português nasceu na freguesia de Capeludos concelho de Vila Pouca de Aguiar, e distrito de Vila Real.
Luíz Negro levou uma vida atribulada, cheia de equívocos e ódios que a própria história tarda em explicar.
Nascido numa terra onde nunca se conhecera um delinquente, o jovem Luís não viria a imaginar um destino tão amargo para a sua alma. Paradoxalmente, foi bem cedo que entrou por caminhos tortuosos, feitos de armadilhas e falácias, que o conduziram inevitavelmente à negritude.
Existia já aos dez anos de idade um rol de peripécias numa fuga para Lisboa. Vende laranjas para sobreviver, mas ao fim de alguns meses volta à sua terra com saudades dos seus parentes. Nesta curto espaço os pais vão da consternação à alegria do regresso do filho pródigo.
No anos de 1822 com 16 anos alistou-se no Regimento de Cavalaria 6. No final da recruta viu-se envolvido na revolução iniciada pelo general Manuel da Silveira dentro de uma conjuntura política marcada pelas guerras liberais.
Com efeito, o jovem soldado Luís Alves, "sem saber porquê encontra-se a servir um exército de realistas" (defensores da Monarquia Absolutista e das pretensões de D. Miguel). Combateu no Campo Grande e na Asseiceira, foi ferido na Batalha de Sta.Maria de Almoster, terminando os serviços militares na capitulação da Golegã.
Finalizada a guerra, volta para a sua terra natal, no entanto um grupo de soldados do Regimento 9 avançou para o capturar. Andou fugido pelos montes, os ódios de quem lutara contra os absolutistas consubstanciavam-se em ciladas, prisões e tentativas de homicídio. A resposta surgia com fugas.
Uma tentativa de embarque para o Brasil levou-o para a cadeia de Chaves.
Depois de intensos interrogatórios acabou por denunciar aquele que o ajudara na última figa. Isto "valeu-lhe" 3 anos de cadeia.
Conduzido a Vila Pouca de Aguiar, instauraram-lhe dezoito processos; "eram inumeráveis os crimes que se lhe imputavam". Confessava duas mortes cometidas em legítima defesa, e não negava os ferimentos feitos nos soldados que o perseguiam das duas fugas da cadeia.
Todavia a infinidade de mentiras e as ameaças das testemunhas de acusação levaram Luís Alves a perder o sangue-frio. Perante o magistrado, atira-lhe à cara o banco em que estava sentado... momentos depois era Condenado à Morte. Devia morrer na forca. Com a sentença confirmada por instâncias superiores e altos funcionários judiciais, restou-lhe a comutação dessa pena prestando-se a exercer o cargo de executor da Alta Justiça Criminal, ou seja o cargo de "Carrasco".
Não aceitou de bom grado, foi necessário o pranto da sua mulher que definitivamente convenceu este "Ex-Dragão de Chaves" (A célebre Companha do Regimento nº 6 caracterizada pela bravura e tenacidade, adoptou como insígnia esse animal mitológico).
Dizia ele amargurado: "Em má hora cedi. Deixei-me convencer, dobrei, aceitei a humilhação, o ferrete e a vergonha. Oxalá não o tivesse feito!". A sociedade necessitava de ter, talvez, mais um "Carrasco"! E quem fala assim... é o último de Portugal.
Para a fama de Luís Alves, "o Negro", sinistro funcionário do Ministério Público, muito terá contribuído o facto do Visconde de Ouguela (Carlos Raminho Coutinho) o ter entrevistado na prisão do Limoeiro e Leite Bastos ter escrito um romance histórico e biográfico sobre tal personagem com o título "O Último Carrasco" e ainda ser referenciado por Camilo Castelo Branco em "Noites de Insónias".
Numa quarta feira do dia 20 de Agosto de 1873 o "Diário de Notícias" anunciava na sua primeira página a morte de Luís Alves. Tinha 67 anos e faleceu na Cadeia do Limoeiro - "era entre nós o último representante d'esses desgraçados, cuja perversidade e destino fatídico, a sociedade aproveita como instrumento da sua fria e calculada vindicta" e remata o artigo do jornal. "Luíz Negro" era o nome, "terrivelmente adjectivado, do último Carrasco legal", que marca os derradeiros suspiros da pena de morte em Portugal.»
(Agostinho Paiva Sobreira - Ruas de Lisboa com Alguma História)
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