«Levávamos café por esse campo de Deus». Quando a fronteira abriu e o contrabando acabou, Dona Lourença e os outros aldeões de Pitaranha, um lugar colado à fronteira com Espanha, no concelho de Marvão, olhavam uns para os outros e perguntavam. «E agora? De que é que a gente se vai governar?» Ali, como em Galegos e em Relva e lugares perdidos na raia, praticamente toda a população vivia a alimentar as rotas de contrabando que seguiam para La Fontañera e Valência de Alcântara.
Nuno Ferreira - terça-feira, 27 de Dezembro de 2011
"Pitaranha, concelho de Marvão, é um lugar perdido e encostado à fronteira com Espanha. Ali na vizinha Galegos ou mais a norte em Relva, o contrabando era o grande meio de subsistência da população que atravessava a linha fronteiriça perto do povoado de La Fontañera e seguia até Valência de Alcântara onde revendedores espanhóis compravam tudo.
Dona Lourença Aires Barreto, 80 anos, mais um grupo de resistentes que ainda habitam a Pitaranha e que se contam pelos dedos da mão, não fez mais nada na vida desde criança e até a actividade terminar com a abertura das fronteiras. «Quando era criança não havia aqui nada. Só o trabalho no campo e o contrabando. Eu com oito anos ficava a guardar os meus três irmãos e mais um garoto que depois casou com outra senhora de cá para os meus pais poderem ir ao contrabando».
A Dona Lourença, já casada nessa altura, acabou por passar 24 dias na cadeia de Castelo de Vide. As memórias de uma vida difícil são hoje contadas em roda de ex-contrabandistas quase com saudade. «Era a nossa vida», explica Lourença a rir, «ou se tinha um ‘prédio’ onde trabalhar a terra e onde ter bezerros e vacas e porcos e castanha ou tínhamos de ir por esse campo de Deus».
A grande fatia do contrabando era café moído mas os aldeões levavam também barras de sabão, «telas» (tecidos), louça e bonecos de barro, sempre a escapar aos guardas portugueses e aos espanhóis. «Os nossos eram piores. Apanhavam a gente e levavam a ‘mercancia’ toda com eles. Os carabineiros diziam: ‘Dá cá cinco quilos de café’ e deixavam-nos seguir».
Numa noite, mulheres como Lourença chegavam a ir várias vezes a Espanha. «Eram duas horas para Valência sempre pelo mato e pelas tapadas. Chegávamos lá, largávamos o «carrego» e voltávamos. Às vezes pagávamos cinco «duros a um taxista para voltar mais depressa».
Como ela, andou o vizinho António Velez, que chega já a conversa vai a meio, num dia de súbito frio e chuva e uma trovoada que nos leva a todos para debaixo de um coberto. «Levei tudo, bezerros, porcos, muita ‘mercancia’ e nunca fui para a cadeia».
A grande fatia do contrabando era café moído mas os aldeões levavam também barras de sabão, «telas» (tecidos), louça e bonecos de barro, sempre a escapar aos guardas portugueses e aos espanhóis. «Os nossos eram piores. Apanhavam a gente e levavam a ‘mercancia’ toda com eles. Os carabineiros diziam: ‘Dá cá cinco quilos de café’ e deixavam-nos seguir».
Numa noite, mulheres como Lourença chegavam a ir várias vezes a Espanha. «Eram duas horas para Valência sempre pelo mato e pelas tapadas. Chegávamos lá, largávamos o «carrego» e voltávamos. Às vezes pagávamos cinco «duros a um taxista para voltar mais depressa».
Como ela, andou o vizinho António Velez, que chega já a conversa vai a meio, num dia de súbito frio e chuva e uma trovoada que nos leva a todos para debaixo de um coberto. «Levei tudo, bezerros, porcos, muita ‘mercancia’ e nunca fui para a cadeia».
Um dia, como tudo na vida, o negócio acabou. «Virávamo-nos uns para os outros e perguntávamos: De que é que a gente se vai governar? Morremos à fome...», conta Lourença, os vizinhos em roda escutando-a. «Mas ó depois, lá veio a ‘reformazinha’ de 200 e poucos euros e lá se vai vivendo»." do site http://www.cafeportugal.net/
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