Loge de concierge à Paris - Photo Brassaï
Uma prima afastada da minha mãe pediu-lhe o valor de um ano de trabalho pela loja de "concierge" e em troca apresentou a minha mãe ao" syndic". Quando chegou o momento de assinar o contrato de trabalho, a minha mãe estava toda atrapalhada à procura dos óculos para assinar, até me fez procurar no meu saco, porque sem os óculos ela não via nada. O gerente acabou por me pedir que eu assinasse. E assim fomos morar para o 52 rue de Paradis Paris 10, a rua do cristal e da porcelana, de algumas lojas de casacos de pele e muitos "ateliers de fourrures".
Photo Robert Doisneau © Atelier Robert Doisneau
Coisa estranha dos nossos dias, em muitos prédios era a "concierge" que recebia os alugueres para depois levar ao gerente, aquilo foi um orgulho para nós os estrangeiros pela confiança que nos depositaram. Foi assim que no final do primeiro trimestre fomos nós orgulhosas dar contas à contabilista. Orgulho sim, mas com uma grande responsabilidade, porque nem um cofre tínhamos em casa para guardar esse dinheiro e nenhuma segurança para o transporte. Então metíamos tudo dentro de uma mala à tiracolo e vestíamos o casaco por cima para o esconder e de braços dados lá íamos nós. O primeiro contacto com a contabilista foi simples, ela verificou tudo e disse « há um erro falta dinheiro », uma vez mais a minha mãe esqueceu-se dos óculos e não podia verificar esse erro. As emoções eram muito fortes , ela olhava para mim aflita e jurava que todo o dinheiro estava ali. Acalmei a minha mãe, olhei para a contabilista e disse-lhe « conte novamente por favor porque a Senhora enganou-se no cálculo », ela olhou para mim dizendo que eu não era para estar ali e olhando para a minha mãe disse « para a próxima vez, não se esqueça dos óculos » e começou a verificar as contas acabando por encontrar o seu erro.
No trimestre seguinte, fui eu sozinha dizendo que a minha mãe estava doente, sorriu para mim e disse « tenho a certeza que não falta nada» , e quatro vezes por ano tínhamos o nosso ritual encontro que durou uns dez anos de 1974 a 1984 até ela abalar para a reforma e obrigarem os locatários a pagar por cheque. Durante todos esses anos, nunca houve engano meu porque verificava 20 vezes. Era o meu ritual. Na ultima vez que nos vimos ela sorrio para mim e disse « a sua mãe não sabe ler pois não », chorei e ela beijou-me. A minha mãe foi concierge até 1987 ano em que os médicos a meteram na invalidez por asma crónica, chama - se Catarina Justo tem 81 ano e vive em Portugal e continua a esquecer-se dos óculos.
Conceição, 58 anos
Quando somos portuguêses a ainda por cima nos chamamos JUSTO, as contas estão sempre certas :-D
Rédigé par : José da Silva Rey | 25/02/2017 à 11:58